Togo e Balto, a incrível corrida do soro do Alasca

Você pode não gostar de animais, mas Togo e Balto te farão criar alguma simpatia por cachorros.

Estes dois cães da raça husky siberiano viveram no Alasca nas primeiras décadas do século XX e eram propriedade de Leonhard Seppala, um grande criador de huskies que era especializado em torná-los exímios puxadores de trenós na neve.

Em 1925 os Estados Unidos sofreu uma grande nevasca, fazendo com que Seppalla e seus cães tivessem que viajar 643 quilômetros para levar a vacina da difteria para a pequena cidade de Nome.

Leonhard Seppala não era americano, ele nasceu na Noruega no ano de 1877 e aos 23 anos ele se mudou para o Alasca, nos Estados Unidos, atraído pela “corrida do ouro” naquela região. Ao chegar nos Estados Unidos em 1900, Leonhard trabalhou como lenhador, pescador, entregador e, obviamente, minerador.

Foi nesta profissão que Seppala conheceu Jafet Lindeberg, explorador de ouro na cidade de Nome, cidade que só surgiu por causa da exploração da pedra preciosa.

Foi em Nome que ele teve contato com os cães da raça husky siberiano, após ter casado em 1908 com Constance, mulher com quem Seppala viveu até o fim de sua vida e teve uma filha.

A criação de cães dos dois iniciou-se por volta de 1910 ou 1911, onde ambos passaram a treinar os cachorros para puxar trenós e participar de corridas de trenós da região, onde o próprio Leonhard Seppala participou de corridas a partir do ano de 1913 e forneceu cães para que outros competidores o fizessem.

Foi em 1913 que um dos heróis deste artigo nasceu, seu nome era Togo. Ele era filho de Dolly e Suggen, tinha pelagem preta, marrom e detalhes cinza na cabeça, no tórax, na barriga e nas patas dianteiras.

Togo, o husky

Segundo dados históricos, Togo era um filhote imperativo, ágil, brincalhão e… INDISCIPLINADO. Sim, isso não combina muito com um animal que precisava carregar um trenó, mas é como ele era naquele momento.

Com o tempo, o cachorro que homenageava o almirante japonês Togo Heihachiro (1847-1934) provou o seu valor, tornando-se um animal extremamente obediente e detentor de formidável liderança.

Balto nasceu bem mais tarde, em 1919, e também não era um animal ideal para guiar trenós, mas era muito veloz. Balto era preto, tinha uma pelagem branca no tórax e nas patas dianteiras, fazendo-o parecer estar de meias.

Balto, o husky

Balto foi uma homenagem de Seppala a Samuel Johanssen Balto (1861-1921), explorador norueguês.

Em 1925 a população de Nome tinha caído muito por causa do fim da corrida do ouro na região e continuava em franco declínio, isolando seus pouco mais de 1000 habitantes do resto do mundo, fazendo com que eles precisassem lidar com o inverno rigoroso da região da forma que desse.

A corrida do soro começaria agora.

Logo no início de 1925, em 11 de janeiro, o Doutor Curtis Welch e a enfermeira Lula Welch, sua esposa, diagnosticaram uma criança de 6 anos, de nome Billy Barnett, com difteria. Esta doença causada pela bactéria Corynebacterium diphtheriae, que atinge principalmente a garganta, atacando as amígdalas, laringe e faringe, é extremamente contagiosa e pode ser transmitida pelo ar, saliva e muco nasal. Se não for tratada, ela pode levar à morte através de problemas respiratórios, cardíacos e renais.

corrida do soro
Hospital de Nome

O Doutor Welch solicitou ao governo que enviasse soro antidiftérico para Nome, uma vez que os esquimós e inuítes da região tinham baixa resistência imunológica contra a difteria. Com a chegada do inverno, o governo suspendeu o envio do soro, prejudicando muito a cidade.

Billy e uma menina chamada Bessie morreram antes do dia 20 de janeiro.

A situação começou a ficar insustentável a partir dali e no dia 20 de janeiro de 1925, o Doutor Welch notificou o governador do Alasca, solicitando uma vacina emergencial para a cidade, enviando também um telegrama para o Serviço Público de Saúde de Washington (Public Health Service) no dia 22, solicitando em caráter de urgência o envio do soro antidifitérico.

A solicitação foi atendida, mas obviamente haviam vários entraves, a corrida do soro estava ameaçada.

O envio através do Mar de Bering, partindo de Seatle (capital de Washington) estava impraticável, afinal, o mar estava congelado, o envio por via terrestre estava impossibilitado por conta das vias soterradas pela neve e o envio através de aviões era arriscado, pois naquela época o gelo congelava os motores dos mesmos.

O Serviço Público de Saúde de Washington passou os dias seguintes tentando buscar soluções para resolver o problema até conseguir contato com o Doutor Bradley Beeson no dia 26 de janeiro. Ele era médico no Hospital Ferroviário do Alasca na cidade de Anchorage e afirmou poder enviar um carregamento com nada menos que 300 mil doses de vacinas. A carga iria de trem até Nenana, cidade situada no norte do Alasca.

O governador do Alasca, Scott C. Bone informou as autoridades de Nome sobre o carregamento que estava em Nenana, mas eles deveriam ir até lá buscar. O problema é que mesmo com os cachorros preparados para puxar trenós durante as épocas de frio, eles demorariam muito, uma vez que Nenana ficava a 1.085 quilômetros de Nome, uma distância similar a de Curitiba a Belo Horizonte.

Para tal façanha, foram necessários 20 condutores de trenós e 150 cães recrutados pelo governador do Alasca e o prefeito de Nome.

A rota da corrida do soro

Eles se comunicavam através de telégrafos, rumando para postos de troca das vacinas que seria entregue enfrentando mais de -30ºC, ventanias, nevascas, nevoeiros, vales, florestas, colinas, depressões, rios congelados e animais selvagens, uma verdadeira epopeia que deixaria vários condutores machucados e doentes e vitimaria alguns dos cães.

A “Corrida do Soro”, como ficou conhecida, iniciou-se no dia 27 de janeiro daquele ano, sendo concluída brevemente, no dia 2 de fevereiro, ou seja, condutores e cachorros terminaram em 7 dias um percurso de 1.085 quilômetros com um frio congelante, rotas extremamente perigosas, para não dizer mortíferas, e entregaram as vacinas.

É impressionante que naquele lugar, que nem luz tinha direito, esses homens e animais tenham conseguido tal feito, podemos dizer que a corrida do soro foi um verdadeiro milagre.

Na penúltima pernada do trajeto, Leonhard Seppala e seus cães, guiados por Togo, fizeram o trajeto entre Shaktoolik para Golovin. Como as condições pioraram muito por causa da nevasca e da neblina, Sepalla temia que os remédios estragassem, então decidiu cortar caminho pelo Estreito do Norte (Norton Sound), que estava congelado, mas poderia ceder e matar a todos afogados por conta do atrito dos animais com o gelo.

Viajando dia e noite, ele fez os 146 quilômetros em menos de 30 horas.

Ao chegar com o carregamento de soro em Golovin, Seppala entregou os animais e o soro a Charlie Olson na manhã de 1 de fevereiro, que foi até Bluff, onde encontrou Gunnar Kaasen e Balto.

Esta última pernada foi feita por Hunnar Kaasen, outro norueguês seduzido pela corrida do ouro.

Os 85 quilômetros foram feitos numa noite tempestuosa no dia 1º de fevereiro por Kaasen, Balto e Foxy. Na manhã seguinte, em torno de 05h30, Kaasen entregou os soros ao Doutor Welch em Nome depois de ter feito a segunda maior parte da viagem a noite inteira.

Kaasen recebeu a fama de herói por ter feito esta última parte do trajeto.

Kaasen e Balto

Toda a população de Nome imunizada com o soro antidiftérico graças à bravura daqueles 20 homens e seus incríveis cães que arriscaram suas vidas numa aventura que entrou para a história.

Seppala ficou em segundo plano ao final de tudo, tendo Gunnar Kaasen e Balto recebido as honrarias financeiras e medalhas de honra ao mérito pela situação que só começou a se normalizar quando uma segunda dose foi enviada à cidade no dia 15 de fevereiro, com a quarentena feita pelo Doutor Welch acabando no dia 21.

Com o passar das semanas, todos os outros participantes da corrida foram ganhando fama e honrarias, o governo do Alasca ofertou uma medalha de ouro para cada um dos condutores de trenós e certificados de agradecimento assinados pelo presidente Calvin Coolidge, agradecendo pelos nobres serviços prestados.

Balto ganhou uma estátua em sua homenagem no dia 16 de dezembro de 1925 no Central Park, em Nova Iorque. É importante lembrar que naquela altura do campeonato ele já tinha incríveis 12 anos de idade, o que sabemos ser uma idade bem avançada para um cachorro.

A estátua de Balto no Central Park

Balto não teve um final feliz, ele ele foi vendido junto com seus companheiros para um empresário que viajava pelos Estados Unidos exibindo os animais. Percebendo que Balto e seus amigos eram mal tratados, George Kimble, um outro empresário, fez uma campanha pública para arrecadar dinheiro para comprá-los.

Ele doou o dinheiro para o zoológico de Cleveland, onde vivia, e também os cachorros, que viveram lá para o resto de suas vidas. Balto morreu em 1933, aos 14 anos de idade, sendo posteriormente empalhado e exibido até hoje no Museu de História Natural de Cleveland.

Balto empalhado em Ohio

Togo teve um final de vida melhor do que Balto depois da corrida do soro, pois viveu com Seppala até o fim de sua vida. Seppala começou a experimentar a fama nacional em 1926, viajando de Seattle a Los Angeles, passando por outras cidades como Nova Iorque e desembocando em Poland Spring, no estado do Maine, onde ele participou de competições de trenó, criando até um clube apenas para isso.

Togo e Seppala

Togo conviveu com ele ali até morrer em 1929, já muito debilitado aos 16 anos, onde precisou fazer uma eutanásia por estar sofrendo demais.

Seppala, sua esposa e filha voltaram para o Alasca, desta vez para Fairbanks, onde ele continuou trabalhando com a criação de huskies e corridas de trenó.

A linhagem de huskies siberianos originadas por Togo existe até hoje e é conhecida como Seppala.

Via: Leandro Vilar