O Ken humano morreu, e a culpa é de vocês

Ken humano

Qualquer que fosse o desfecho do caso do Ken humano, o culpado seria o mesmo. Se ele saísse do hospital, ficasse com problemas, ou o que aconteceu, morrendo, não importa – a responsabilidade é toda de vocês, mulheres.

Claro que nenhuma mina o obrigou a fazer plásticas intermináveis no rosto ou em qualquer outra parte do corpo. Nem o fez, desde sempre, perseguir uma beleza e uma perfeição impossíveis, se modificando e violentando com intermináveis cirurgias e intervenções. Não, realmente estas opções foram todas do Ken humano.

Mas, por trás disso tudo, de toda a paranoia sem medidas, há uma entidade que, ainda que sem perceber, controla as atitudes de todos os Kens espalhadas pelo mundo, provavelmente até mesmo os seus, moço que lê agora este texto.

Esta entidade se chama raça fêmea.

Por enxergarem cada vez mais os homens como itens descartáveis, as mulheres acabam levando os homens à insanidade absoluta. Por sermos tratados, em nossa grande maioria, como mercadorias que devem estar sempre em sua mais absoluta e reluzente forma, nos concentramos em estar eternamente firmes, apetitosos, com pelos aparados, jovens.

É porque as mulheres nos trocam com tamanha facilidade pelo menino mais bonito e mais novo que nos desesperamos. A culpa é de vocês se passamos a nos enxergar como inadequados, imperfeitos, incompletos.

E óbvio que não foi sempre assim. Estávamos bem até pouco tempo atrás, e foi só quando vocês começaram recentemente a viver como se empurrassem carrinhos numa mercearia, escolhendo tudo pela aparência e abrindo mão por completo de algo que lembrava o amor verdadeiro, que a coisa desandou.

Vocês, agora, amam bíceps, peitorais, barrigas de tanque. Deixaram no ar uma saudade de quando uma mente sagaz e um coração dócil tinham valor de mercado.

Porque não queremos ser trocados, porque queremos ser escolhidos e mantidos, nos apressamos atrás das melhorias a qualquer custo, para conseguir um nariz (imponente) de vantagem em relação ao nosso concorrente. Óbvio que amamos o belo para deleite próprio, mas há tempos que esse deixou de ser o nosso norte.

Estamos valendo tão pouco que o risco de injetar líquidos escusos no organismo acaba parecendo legítimo. Remendamos não só nossas formas, mas também nossa mente, em busca de ticar os pré-requisitos que vocês, mulheres, nos impõem. Nos preenchemos, esvaziamos, esticamos, cortamos fora – e é só quando uma tragédia como a do Ken humano acontece que somos capazes de enxergar uma luz de coerência no fim do túnel.

Perturbados com a história medonha do rapaz que só queria ser perfeito, passamos a nos questionar sobre até onde estamos indo. Nos indagamos se fomos longe demais, se o nível da crueldade que impomos a nós mesmos já não ultrapassou o limite há tempos, e se é chegada, talvez, a hora de parar.

Mas, por mais que a identificação com o Ken humano nos leve à reflexão, é bem pouco provável que ela nos conduza à conclusão de que não somos os réus nesse processo todo – e que, na verdade, elas é quem são culpadas.

Este texto é, sim, pretensioso a ponto de entender que está aqui para ajudar a nós todos. Para nos fazer botar, juntos, o pé no freio, e incentivar a contemplação de que talvez estejamos tentando capturar a atenção e o amor de uma maneira autodestrutiva demais, e que não vai nos levar a lugar algum. É uma guerra perdida – sempre haverá um corpo mais perfeito que o seu, mais jovem que o seu, mais gostoso que o seu.

E é quando vem a pergunta: E DAÍ?

Será só a partir do momento em que passarmos a viver por nós mesmos, e não pela guerra competitiva imposta pelas mulheres, que teremos, então, alguma chance de sairmos inteiros no final da história.